Por Pr. Sillas Campos
Aconteceu que o povo começou a queixar-se das suas dificuldades aos
ouvidos do Senhor. Quando ele os ouviu, a sua ira acendeu-se e fogo da parte do
Senhor queimou entre eles e consumiu algumas extremidades do acampamento. – Números 11:1
Por falta de passageiros, a companhia aérea cancelou um voo nacional e
isto prejudicou meu amigo. Ao ligar para o serviço de atendimento ao cliente,
ele foi mal atendido e até ignorado. No último telefonema, o representante da
empresa lhe aconselhou procurar os seus direitos. Seu advogado entrou com um
processo e rapidamente ele foi indenizado no valor de 6 mil reais.
A situação do consumidor no Brasil não era assim, até alguns anos atrás,
a gente nem pensava em reclamar um mau atendimento. Mas nos últimos anos as
coisas têm mudado, mais e mais, temos adquirido o direito de reclamar nossos
direitos! Reclamar e ser ouvido! Isto é bom e saudável, pois promove a justiça
e protege o consumidor. Porém, infelizmente, logo surgiu o grupo dos
mal-intencionados e oportunistas que se aproveitam disto para explorar empresas
e profissionais; e isto gera o encarecimento de produtos e serviços. Por
exemplo, nos EUA, a classe médica se viu obrigada a cobrar mais caro por seus
serviços por causa do número crescente de processos que enfrentam.
A verdade preocupante é a seguinte: nunca houve uma geração tão
consciente do direito de reclamar seus direitos como a nossa! Temo que alguns
cristãos abusemdesta liberdade no seu relacionamento com Deus. Em
nosso caminhar com Deus, o ideal seria nunca reclamar ou questionar Suas
providências. Isto é claro em Filipenses 2:14: “Façam tudo sem queixa nem
discussões”. Outros textos passam a mesma ideia (Lamentações 3:39; Lucas
17:7-10; Romanos 9:20-21). Porém, vemos através da Bíblia, que Deus, em amor,
tolera os desabafos honestos, as reclamações sinceras e questionamentos
ocasionais dos seus servos (Êxodo 3-4; Jó 38; Salmos 142:1-2; Habacuque).
Provavelmente, porque, como pai, ele se compadece daqueles que O temem e
conhece nossa fragilidade (Salmos 103:13-14).
Parece que o perigo está na reclamação baseada na ingratidão,
incredulidade e insubmissão contra a liderança estabelecida por Deus. O
problema está no mau-hábito (vício) de reclamar. Este era o problema do povo de
Números 11. Eles viviam reclamando! Eles reclamaram das dificuldades (11:1-3);
da falta de carne (11:4); Miriã e Arão reclamaram contra Moisés (12:1); os 10
espias reclamaram da superioridade dos Cananeus (13); o povo reclamou da
liderança de Moisés (14:1-2) e do próprio Deus por tê-los tirado do Egito
(14:3); Corá, todos da tribo Ruben, e 250 líderes importantes se uniram para
reclamar contra a liderança espiritual de Moisés e Arão (16:1-40); e no dia
seguinte todo povo de Israel reclamou contra Moisés e Arão (16:41).
Querido leitor, como o povo de Deus no deserto, a igreja de Cristo
também passou, passa e passará por dificuldades e aflições (João 16:33). Esta
verdade não é agradável, nem atrai as multidões. Percebo que a tendência
popular é pensar assim: já que Deus é bondoso e poderoso, prontamente deveria
remover todo tipo de obstáculo, problema, e desconforto na vida dos Seus.
Muitos esperam que Deus lide com seus problemas como Nicole Kidman o faz no
filme “A Feiticeira”, eliminando-os num simples toque de mágica. Esta ideia
ganha força, porque, às vezes, Deus opera livramentos sobrenaturais (Êxodo 14;
Daniel 3; Atos 12; gosto de Marcos 13:19-20, onde Deus clica seu controle
remoto e abrevia a tribulação). Porém, na maioria das vezes, Deus permite que
seu povo passe pelo deserto das provações, onde, através da adversidade, Ele
nos edifica e fortalece, revela sua sabedoria e poder, e glorifica o Seu Santo
nome. Na sua provação, Jó dizia não saber exatamente o porquê do seu
sofrimento, mas Ele sabia de uma coisa: “Deus conhece o caminho por onde
ando; se me puser à prova aparecerei como o ouro.” (Jó 23:10)
Por isso, em nosso caminhar com Cristo, devemos tomar muito cuidado com
nossa tendência de reclamar. O verso em consideração e seu contexto nos
alertam: Cuidado com a reclamação habitual! Cuidado com a reclamação baseada na
ingratidão, incredulidade e insubmissão contra a liderança estabelecida por
Deus. Esses protestos entristecem o coração de Deus! Na verdade o verso ensina
que elas provocam Sua ira santa!
“Aconteceu que o povo começou a queixar-se das suas dificuldades aos
ouvidos do Senhor. Quando ele os ouviu, a sua ira acendeu-se…”. (Números 11:1)
Tendo dito isto, faço questão de afirmar a realidade da frustração e
tristeza gerada por certas dificuldades. Somos humanos, falhos e frágeis! Logo,
isto gera uma pergunta importante: qual a maneira certa de lidar com esses
sentimentos negativos? Certamente, não é o caminho do “sofrer calado”, nem o da
negação do problema, nem o da ilusão; ilusão desenvolvida por um tipo de
neurolinguística evangélica que acredita no poder de declarações como: “Em nome
de… eu rejeito esta situação!… eu exijo!… eu declaro a vitória!” O caminho
ensinado por Deus é claro, prático e eficaz! Com toda liberdade, humildade e
reverência, podemos derramar nosso lamento diante de Deus!
Em alta voz clamo ao Senhor; elevo a minha voz ao Senhor, suplicando
misericórdia. Derramo diante dele o meu lamento; a ele apresento a minha
angústia. (Salmos 142:1-2)
Amado leitor, diante das dificuldades que lhe frustram, olhe para Cristo
(Hebreus 12). Lembre-se como Ele sofreu em seu lugar, deixando-lhe o exemplo
para que você siga seus passos (I Pedro 2:21). Encoraje-se com Sua promessa de
vitória (João 16:33; Romanos 8:28-39). E, com toda liberdade e reverência,
clame por sua misericórdia! Derrame suas ansiedades diante do seu trono de
graça!
Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e
súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. (Filipenses 4:6)
Assim sendo, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a
fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da
necessidade. (Hebreus 4:16)
Interessante, o mesmo Deus que se ira contra a reclamação baseada na
ingratidão, incredulidade e insubmissão; com amor ele até tolera o desabafo
ocasional dos seus santos. Porém, Ele ordena e se agrada de nossas orações!
Sim, Ele sempre as responde! (Mateus 7:7-11). Às vezes, mudando as
circunstâncias (trazendo livramento, operando um milagre); às vezes, caminhando
conosco através da fornalha; e, às vezes, mudando nosso coração, conferindo-nos
uma paz, ou graça especial que nos capacita a glorificar o Seu nome, apesar das
dificuldades! (Filipenses 4:6-7 e I Coríntios 12:8-10).
Querido leitor: Cuidado com suas reclamações! Desenvolva sua vida de
oração!